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Voltar para a listagem22/05/2020
Em fevereiro deste ano, o aposentado Jorge Ricardo Bernardes e a assistente social Eunice Bernardes completaram 40 anos de casados. Uma vida inteira juntos. Para comemorar, na segunda quinzena de março, foram passar férias em Santa Catarina. E quando retornaram da viagem, Jorge começou a ter os primeiros sintomas, de como ele mesmo caracteriza, uma gripe muito forte. “Parecia uma gripe comum, febre, cansaço, perda de apetite. Como eu não tinha nem tosse nem falta de ar, não achei que fosse Covid. Achei que passaria, mas como a febre ficou persistente, procuramos o Hospital Mãe de Deus”, relata Jorge.
Ao chegar ao Hospital, ele foi encaminhado diretamente para o CTI “Foi um paciente muito grave, de uma doença que a gente ainda estava aprendendo. Ele chegou bem nos primeiros dias, em que só recebíamos más notícias do exterior, os franceses e italianos com os hospitais lotados e muita demora na recuperação dos pacientes de CTI”, recorda dr. Marcius Prestes, médico intensivista do Hospital Mãe de Deus.
Jorge foi um dos poucos pacientes que chegou e já encaminhado para o CTI, pois o quadro de pneumonia que ele apresentava era muito típico de Coronavírus. Foi imediatamente colocado em ventilação mecânica. “Os primeiros dias estava muito inflamado, com febre alta. Assim como a maioria dos pacientes Covid internados no CTI, ele também iniciou tratamento com hemodiálise, e entendemos que colocar um paciente em hemodiálise desde cedo foi um grande diferencial”, explica Dr. Marcius.
Sobre utilizar a hemodiálise, ele explica que se mostrou muito eficiente reduzir a quantidade de líquido no corpo e com isso não encharcar o pulmão. “Isso ajudou a parte respiratória do Jorge a melhorar. E aos poucos ele foi melhorando”, avalia o médico.
“Nasci de novo no dia da extubação”
Jorge diz que a maioria do tempo que esteve internado, não lembra de nada. “Tenho flashes de alguns momentos. Eu lembro de chegar no Hospital e depois acordar na UTI, mas bem sonolento”. Uma das poucas recordações que Jorge tem foi a comemoração que a esposa e a nora, em conjunto com a equipe assistencial, prepararam enquanto ele ainda estava no CTI para celebrar seu aniversário de 63 anos. “Tenho uma vaga lembrança da comemoração, mas com certeza me fez bem”. Para Jorge, seu segundo aniversário será comemorado no dia em que foi retirada a ventilação mecânica, segundo ele, o dia do seu renascimento.
“Nos primeiros dias, após a extubação, eu não lembrava de nada. Minha esposa disse que às vezes chegava lá, falava algumas coisas que eu não lembro. Pelas informações que eu recebi e pelo o que eu li no meu relatório de alta, meu caso foi extremamente grave. Em momento algum disseram que eu retornaria ao normal, isso sempre ficou em aberto porque eles não tinham certeza. Então eu fico imaginando o que passava na cabeça da minha mulher. Angústia, ansiedade, e ainda por cima ficar sozinha em casa, isolada dos filhos”, relata.
A fase do delirium
Eunice imaginava que no momento que retirassem a ventilação mecânica de Jorge, teria seu marido de volta, mas isso não aconteceu, pois ele ainda estava confuso, passando por um quadro conhecido como delirium. “Achei que ele iria falar, me perguntar como estavam as coisas. Eu não tinha a dimensão do que era este quadro de delirium. Fiquei apavorada, achei que ele não ia voltar, ele ficou vários dias como se estivesse em outro mundo, parecia que estava em uma bolha”, lembra Eunice.
Foi quando começaram a me explicar sobre deliruim, o que era, aí comecei a me inteirar do assunto, algumas pessoas me falaram que poderia durar meses, fiquei com muito medo. A expectativa que a gente tem quando um familiar tem uma doença é que quando ele se cure fique normal. Ele ficou uns dez dias fora do ar, só quando ele saiu da CTI e veio para o quarto começou a melhorar”, conta a esposa.
Dr. Marcius explica que o delirium ocorre devido ao quadro crítico. “Uma das consequências que acontecem com doentes críticos é que eles acabam tendo uma disfunção cerebral. Como é muito estresse por tudo, muita inflamação, o cérebro sente isso e se desorganiza. Não tem uma lesão, mas uma desorganização causada pelo stress inflamatório. Assim que tiramos o paciente da ventilação mecânica, percebemos este quadro de delirium, de confusão. Ele melhora com o tempo. Quanto mais o paciente se aproximar da sua rotina normal, mais ajuda a melhorar. A grande maioria dos pacientes em delirium voltam com o tempo”, explica o intensivista.
Para as famílias que passam momentos como esse, a principal orientação é ter paciência e auxiliar o familiar na reorientação para sair do Hospital o quanto antes: “Orientamos que isso é uma consequência normal, que é preciso dar tempo, pois melhora com o tempo, e o mais importante nesse momento é a reorientação, reorientar as pessoas sobre quem eles são, onde estão, o que está acontecendo, todos os dias”, pontua Dr. Marcius.
A volta para realidade e a grande lição
Após a fase de confusão mental, Jorge diz que começou a voltar para realidade no segundo dia que estava internado no quarto, já na Unidade de Internação. “Foi quando comecei a me dar conta das minhas limitações: não conseguia caminhar direito, não conseguia me equilibrar, estava tremendamente fraco, emagreci muito. Gradualmente fui evoluindo. Com a ajuda da fisioterapia só não saí caminhando do Hospital porque tinha que usar a cadeira de rodas como protocolo”, comenta, aliviado.
Agora, Jorge diz que está quase normal, com 90% da capacidade recuperada. “A grande lição que fica é dar mais valor às pessoas, à saúde, que às vezes a gente não se dá conta o quanto é importante termos saúde para andar, poder falar, não depender dos outros”, reflete e alerta: “Isso não é brincadeira, é muito sério. É um inimigo invisível. Poderia hoje não estar aqui falando com vocês”.